Para ser fiado.
O Zé passava dias assim.Naquela mesma cadeira, naquela mesma esquina, no mesmo bar do Rodolfo levando o copo de cerveja na garganta repetidamente e olhando o outro lado da rua.A farmácia da cidade era a melhor, não pelo preço tabelado, mas pelo Seu Jorge,velho farmaceutico e experiente curandeiro de todos os males.Doutor Jivaildo já tinha mudado o preço da consulta para competir com o farmaceutico mas não tinha autoridade para isso.Seu diploma na parede.Suas vestes brancas.Sua barba e bigode nada adiantava a impor respeito aos seus poucos e talentáveis anos de estudo.O farmaceutico sabia.E acertava tudo que o povo pedia. O Zé observava. Aquela senhora entrava com a mão no peito a cada quinze dias na farmácia.E o Zé engolia a cerveja gelada e pensava que desta vez seria o problema de garganta porque se fosse dor no peito ela estaria com a mão na boca.Ela então saia da sala do curandeiro com o pacote nas mãos, um sorriso de lado e olhando para frente e cruznado olhares com a babá dos filhos do prefeito, esta porém arrastando as crianças para a farmácia com os dentes travados.Os pequenos tocavam somente um pé no chão.O Zé olhando a cena, e com uma mão já sabia que seria dado as vacinas.Com a outra mão encheu o copo e com a certeza que o prefeito não deixaria passar as datas da injeção dos meninos.E a tarde ia assim, o Zé enchia o copo e acertava o assunto na sala do curandeiro.Foi então que antes do sol esconder o que o Zé esperava apareceu.Como sempre, vestido rodado, olhando para o chão aquela moça sempre fazia o copo parar na metade, a rua parar e a saliva no meio da garganta do Zé enroscar e este não adivinhava o que ela tinha. O dono do bar, seu Rodolfo parado na porta e sempre tinha um comentário ou outro sobre a mãe da moça que o Zé nunca escutou muito bem.A moça aparecia na farmácia uma vez por mês, não levantava os olhos da calçada e parecia pedir licença pela sua existência ao incomodar ao ar.Foi quase sem querer que o Zé levantou da cadeira.Foi exatamente quando a moça, antes de pisar na sala do curandeiro, apertou a saia entre os dedo da mão e suspirando olhou para o céu.De sobressalto o Zé pulou para a beirada da rua.Seu Rodolfo pressentiu o perigo, e levantando o dedo e a voz, lhe cobrou a conta.O Zé já estava no meio da rua quando resmungou e disse que tinha que atravessar.
- O quê?- tentava entender o dono do bar recolhendo de volta a sua cadeira.
- Eu vou ali só olhar: para Ela!
Seu Rodolfo que já tinha em mãos o meio copo de cerveja, balançava a cabeça e foi anotar o fiado, do Bar.
(E agora o Zé se foi)